terça-feira, 26 de novembro de 2019

Vassouras












As mulheres varrem, varrem e varrem
Durante todas as suas vidas para cumprirem uma promessa as suas mães
Onde escondem tanta sujeira?
Onde acomodam o pó que não vejo?
E para onde carregam as folhas secas que o cimento não sepulta?
Outras mulheres varrem, varrem e varrem para arrumar as salas para as visitas
Apenas as vassouras falam nesse ritual macabro e cínico.
Apenas suas falas decretam a lei e o caminho….
Nessa varredura um pouco de mim se vai com os farelos de pão
Que as formigas teimam em colher.
O resto de mim, que as sobras do dia colheram ao vento, se recolhe a sua própria dor
Algumas mulheres varrem e varrem e, muitas vezes,
Trocam o ouro do dia, a pequena alegria dessas horas poucas que se vão,
pelo futuro incerto de suas certezas.
As mulheres poderiam até sorrir pelo café ainda quente de nossas vidas
Pelas flores e doces que ainda traria,
mas já fui sentenciado
Pelo tempo que ainda não veio
E pelas promessas que um coração alheio a nós dois
Sussurra docemente em seus ouvidos.



sábado, 21 de abril de 2012

                              Irremediável




Desço pelas entranhas dos séculos
e cavalgo sem volta na penumbra que desce até o abismo.
Perdido, sinto que não posso mais ser achado.
Oh Deus....desço com todos os desejos do mundo
mas agora só respiro Tua ausência.
Oh Deus...me faça acordar antes que
o último degrau dessa escada arranque meu pé.

Eu sei que desço com todas as honras que ganhei
e com o cheiro do ouro que acumulei...
mas minhas roupas se esfarelam a cada andar e
só me infesta o perdido aroma do cansaço
e do desespero que cheira a  mofo e pó.

A cada passo que dou meus ossos me traem
sou apenas carne e nenhuma promessa se
cumpre depois de tanta pedra carregada pelo mundo.
Oh Deus... me acorde antes que o último desses andares
esteja acima de mim.
Oh Deus...me devolva meus dias
antes que o anfitrião do lugar venha me estender sua mão ardente.

Onde estão os anjos? Será que ficaram no andar de cima?
Tudo que fui se extravia a cada degrau que piso.
Já não sou nada que o orgulho me referendou e as
as solas agora ardem sobre a areia quente e toda a desesperança
assola o coração.
Quem me ensinou esse trajeto?
Quem desenhou esses diagramas sobra a bússola que me guiou?
Quantos ainda virão e quem vai me receber?
Que livros não guardei na estante?
Porque não beijei quem cruzasse pelas ruas?
Porque não chorei por quem não via?
Porque desço antes da hora?
Porque não há placas de volta nem via de mão dupla?

Oh Deus..me acorde
antes que o trem desse lugar me despeje como carga no altar.
Tenho alguém que chama.
Preciso olhar minhas gavetas e dar um último tchau.
Oh Deus.... me devolva um último instante
para ver o rosto de quem mal beijei
e o voo das borboletas sobre as flores que nunca mandei.  

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

O Grupo





Eu faço parte do grupo...
Querendo ou não eu danço quando eles 
sacodem....
Querendo ou não eu esmoreço, tremo e choro
por todo sentimento esparso,
por toda a grande perda 
por toda expressão dita ou pretendida
nos tambores das vozes do grupo.
Espasmo e adoeço pela amputação que os 
dilacera
e pela derradeira hora que lhes bate a porta 
sem aviso.
Todos os seus dramas são meus,
Todas as suas mortes são peças do meu 
armário
e minha voz se confunde com as suas
nos tambores das vozes do grupo.
Porque seu alarido ecoa além do meu sangue
e toca minha alma com a mãos de quem pede
e clama por um sentido e um caminho.
Tenho o testemunho do Céu e toda conversa
se faz uma prece para aqueles que conhecem a 
Lei
e não podem deixar de ouvir e sentir
os tambores das vozes do grupo.
Quando então me aquieto
e me escondo num quarto escuro,
onde acendo uma grande fogueira,
eu os exorcizo
na tentativa vã de olhar meu próprio nariz.
Assim morrerei com um bravo.
Mentira, mentira, mentira, mentira

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Welcome ranzinza

imagens de ovos de ouro


Imóvel silhueta de anjo.
Tua manta de lã.
Nosso canto de rua.
Maquiagem mal-feita no rosto,
e chicle de hortelã.
Ovos de ouro,
aves de asas podadas
e joelhos juntos na hora marcada de volta.
Somos argamassa de toda gente
mistura desejada e indesejada...
Madrugar de sonho, alvorecer de pesadelo.
Sol e toda escuridão no mesmo caminho.
O mundo de todas as cores.
O mundo tem todas as cores
e algumas nos cabem.
O mundo de todas as cores
recebe muitas vezes como um guarda noturno;
um abandono indesejado,
um sorriso cinza,
nenhuma promessa para o futuro,
um falso aconchego
e um welcome ranzinza.       

O sorriso de Grace Kelly



  
Quem foi que trouxe a carranca dos barcos para o centro da aldeia 
e engatilhou um arma na minha cuca?
Quem foi que expulsou os palhaços da cidade?
Nao dominamos a arte de fazer rir e estamos tão sós nessa interminável noite de circo.
Quem foi que ergueu um monumento a um suicida 
e derrubou nossa figueira e nosso coração de canivete?
Quem de nós quer fazer um exótico espetáculo
até que se desça o pano de fundo do palco do mundo,
onde feios e atormentados atores
sobrevivem pintando nos rostos
o sorriso de Grace Kelly?

Pequenas que choram

cyprus93: Paphos, Cyprus: first bath of Achilles - angel - Roman mosaics in the house of Theseus - photo by A.Ferrari - (c) Travel-Images.com - Stock Photography agency - Image Bank
Não abandona teus anjos
só porque te espreitam
e aparentemente atrasam teu caminho.
Não abandona teus anjos  
porque são eles como  pequenos faróis que guiam tuas decisões
e clareiam tua indisfarçável incapacidade de decidir.
São os espelhos pelo qual tu te vê.
Ainda erguido, ainda que sobrepujado, mas ainda vivo.
Não te chateia pelo tempo que te tomam.
É tempo de crédito, é tempo de esperança, vida e água viva
É colheita com correção aos olhos do Céu, fruto que não colhe por aqui.
Os pequenos que choram abençoam quem os recolhe da chuva.
Os pequenos que acordam no meio da noite
adormecem seus pais com o cansaço da missão cumprida.
Não importa o que o futuro poderá desenhar
teus braços estendidos fizeram a diferença,
ainda que mal se perceba.
Não abandona teus anjos
Só  porque eles te roubam o tempo.
As horas que nos tomam são terra semeada.
Os minutos que se foram em abraços e beijos
são sementes além desses dias,
além dessa atordada vida.
   

terça-feira, 26 de abril de 2011

Outro Calendário



Tens outro signo no calendário.
Outro tempo te inquieta e te acomoda.
Ainda assim a casualidade de tantos nomes e gostos
forjou nosso destino e misturou nossos dias.
Coincidência ou não
estávamos na mesma casa quando ele passou.
Quase com a mesma dor,
a mesma saudade
do que perdemos pela vida.
Eu advogo o que nunca tive.
Você defende o direito de ser feliz,
de namorar sob o teto da sala
de tirar os sapatos na chuva
e de amar como quem acredita em romances e em livros de cabeceira.
Desconheço a altura do próximo ponto de parada.
E não sei até quando tamanha diferença
se manterá despercebida.
Nosso caso, sim, não tem nome,
nem forma definida,
nem nomenclatura.
È amor sem dicionário.
Amor cuja poesia desses dias
poderá reinventar.